quarta-feira, 3 de junho de 2009

EU Clariciando...


Gosto dos venenos mais lentos,
Das bebidas mais amargas,
Das drogas mais poderosas,
Das idéias mais insanas,
Dos pensamentos mais complexos,
Dos sentimentos mais fortes…
Tenho um apetite voraz e os delírios mais loucos.
Você pode até me empurrar de um penhasco que eu vou dizer:
- E daí? Eu adoro voar!
Não me dêem fórmulas certas, por que eu não espero acertar sempre.
Não me mostrem o que esperam de mim, por que vou seguir meu coração.
Não me façam ser quem não sou.
Não me convidem a ser igual, por que sinceramente sou diferente.
Não sei amar pela metade.
Não sei viver de mentira.
Não sei voar de pés no chão.
Sou sempre eu mesma, mas com certeza não serei a mesma pra sempre

Clarice Lispector
Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo : "Fui eu ?
"Deus sabe, porque o escreveu.


FERNANDO PESSOA

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Por que me olhas?




Por que me olhas?
Sentes medo?
Por que ?
Ouça-me!
Não sou mulher de meias palavras,
Eu quero o verbo por inteiro,
Com sons, mas, sem ruídos,
Não me venhas com dialetos,
Eu quero à língua por inteiro,
Por que esse meio sorriso?
Eu quero boca larga,
Dentes à mostra,
Nunca fui meio termo,
Sou feita de excessos,
Não me olhes como a primeira vez,
Conheça-me,
Seja-me,
Tenha certeza,
Saiba me segurar,
Pois ganhar,
Tu já me ganhaste!
Bom proveito!

Mpclima

Todas as Cartas de amor são Ridículas



Todas as cartas de amor são Ridículas.

Não seriam cartas de amor se não fossem Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,

Como as outras, Ridículas.
As cartas de amor, se há amor,

Têm de ser Ridículas.
Mas, afinal,Só as criaturas que nunca escreveram Cartas de amor

É que são Ridículas.
Quem me dera no tempo em que escrevia

Sem dar por isso

Cartas de amor Ridículas.
A verdade é que hoje

As minhas memórias

Dessas cartas de amor

É que são Ridículas.
(Todas as palavras esdrúxulas,

Como os sentimentos esdrúxulos,

São naturalmente Ridículas.)
Álvaro de Campos, 21/10/1935
Fonte: http://www.releituras.com/


Fernando Pessoa